quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O luto, o abraço


Eu andava pela Rua da Solidão e incrivelmente tinha ido lá encontrar com uns amigos. Achava até poético o nome da rua. Era um lugar cheio de carros nas calçadas, muitos bares, muita movimentação. Mal cheguei e já acenaram pra mim... Que bom que alguém estava de olho na rua bem na hora que cheguei, pois não enxergava ninguém nesse dia. Levei meia hora procurando a chave e os óculos... só achei as chaves...
- Finalmente!!!!!  (Foi dizendo a Chiara e me dando três beijinhos na face)
- É, finalmente!!! (Disse eu que não saia de casa a mais de um mês e recebia convites e telefonemas quase que diários pra sair)
- Acabou o “retiro” ? (Perguntou Abey com aquela expressão que lhe é peculiar.)
- Ela tava num retiro? (Perguntou cheia de curiosidade Melanie)
- Você não sabia que ela sumiu por mais de um mês? (Disse Abey.)
- Deixa ela contar!!!! Bora Gail, desembucha logo! (Disse Chiara)
- Galera é o seguinte, por mais absurdo que pareça, eu tava em casa esses dias todos. Saía o necessário... Visitei alguns lugares que nunca tinha visto, aqui mesmo na cidade... Fiz excelentes fotos. Mergulhei em mim mesma, sabe? Em nenhum momento eu disse que tinha viajado ou que tava em retiro... Apenas dei um tempo pra reflexionar e analisar coisas... hábitos... posturas... E resolvi mudar umas coisas aqui e ali...
- Não era mais simples você pintar o cabelo e mudar o corte? (Disse Nanabara que tinha voltado do banheiro  nesse momento.)  Aliás, turbante ta na moda? Ficou bárbaro em você!
- É mesmo! Onde você comprou? Adorei...retrô... (Disse Chiara)
- Ganhei de minha avó... Aliás, eu não contei pra vocês antes, mas minha “Voinha” morreu... Dia 05... Hoje ta fazendo dois meses...
- Ah, entendi... Você tava de luto!!!! (Disse Abey)
- Na verdade lidar com as perdas é sempre um desafio. Por mais preparado e espiritualista que a gente acredite que é, é sempre um baque saber que não vamos mais ver aquela pessoa... No caso de Voinha, eu sei que ela continua existindo... Não apenas nas minhas boas lembranças... Mas em algum lugar...
- Velho, bom acreditar nisso... acho que de alguma forma dá um certo conforto... (Disse Abey.)
- Eu não consigo acreditar em nada além do hoje! (Disse Nanabara com convicção.)
- Eu fico na dúvida... nem acredito... nem desacredito... (Disse Chiara, me abraçando, querendo me confortar).
- Mas é isso... a gente já nasce sabendo que um dia vai morrer... É estranho... Até acontecer com alguém que gostamos de verdade... Mas eu tou bem gente! Só aproveitei  esse tempo pra repensar umas coisas... Basicamente coincidiu com minhas férias... Aí fiquei em casa...
- E sua viagem... Você não tava de passagem comprada? (Disse Chiara, a única que sabia que eu ia passar um mês pela América Latina.)
- Adiei... Agora que não é mais “segredo”, podemos planejar de ir juntos!
- E era segredo? (Pergunto Abey?)
- Nada... aposto que todo mundo sabia, né Chiara?
- Oh, amiga, deixei escapar quando tava todo mundo preocupado porque seu celular só dava caixa... Nenhuma postagem no Face... Você sumiu, né? Contei pra sossegar o pessoal (Disse Chiara.)
- Na verdade eu tenho essa necessidade de fazer minhas coisas, do meu jeito, no meu tempo... Adoro vocês, nossa amizade, mas não é tudo que eu quero contar, compartilhar, dar satisfação, entende? Umas das coisas que pensei por esses dias é justamente  o quanto a gente se expõe nas redes sociais... Fica todo mundo sabendo onde a gente ta, com quem ta...
- Ops! (Deixou escapar Nanabara)
- Que foi? (Disse Chiara)
- É que quando soube que você ia aparecer hoje postei no Face banheiro e vi que você veio mesmo, tirei uma foto e enviei... Tá vindo o resto do pessoal aí... Seus fãs, né?
- Mas criatura, quem disse que eu quero ver o resto do povo?
- Pô, o “resto” ? (Protestou Abey)
- O resto dos mortais, Abey... Vim aqui dar um abraço em vocês... Não quero demorar...
- Então vamos fazer um brinde... (Propôs Abey, que já tinha feito sinal pro garçom desde a minha chegada e que só agora trazia mais um copo.)
- Garçom, por favor me traga uma água de côco. (Disse eu)
- Bora beber, Gail!
- Parei de beber!
- Como assim parou? (Disse Chiara.)
- Parei... cansei... não me fazia bem... eu também não gosto de cerveja, todo mundo sabe disso!
- Sim, mais e o vinho? Você sempre gostou! E nossos encontros pra beber vinho? (Perguntou Abey.)
- Podemos dar continuidade... Se der vontade, quem sabe eu beba... Mas é um dia de cada vez... Só por hoje eu parei...
- Entrou pro AA? Você não precisa amiga! (Disse Chiara)
- Entrei não... Mas conheço um pouco da filosofia... É muito interessante... Aliás, Chiara, a gente sempre acha que para quando quer, que bebe só socialmente... Mas se a gente for analisar profundamente, a história é outra...
Nisso foi chegando Samara com mais dois amigos que eu não conhecia.
- Quem é vivo sempre aparece! (Saudou Abey.)
Samara me abraçou demorado e apresentou seus amigos.
- Gail, que bom te ver menina! Olha esse é o Egon e esse é o Paix.
Egon tocou na minha mão. Nem apertou nem nada... apenas tocou e sorriu. Paix me abraçou demorado, como se me conhecesse a anos e nunca mais tivesse me visto...  Como os outros amigos estavam sentados, Egon apenas acenou para eles. Já Paix, rodou a mesa e cumprimentou um a um. Veio garçom com a água de côco, pedimos mais cadeiras e nos acomodamos.
-  Gente, eu adorei encontrar vocês... Mas ta chegando a minha hora...
- Ah, mas você acabou de chegar! (Protestou Abey.)
- Eu disse que só ia dar uma passadinha... Samara, preciso falar com você. Quando pode me encontrar?
- Olha eu vim pra cá pra te ver... Posso te levar pra casa...
- Gente, é isso... Eu vou com a Samara, ta? A gente se fala... (Tirei da carteira o dinheiro do côco e pus sobre a mesa.)
- Mas Samara, nem vai conversar direito com a gente... e seus amigos?
- Meninos, fiquem á vontade... Vocês podem ficar... é que não vim pra ficar muito tempo... Trabalho amanhã cedinho. (Disse Samara.)
Paix  conversava com Chiara e Egon estava em silêncio, entre Samara e eu.
- Muito bom conhecer vocês, mas eu também preciso voltar. (Diss Paix, se levantando e Chiara fez uma cara de que não gostou.)
- Eu tou de boa, vou ficar! (Disse Egon. Nanabara não consegiu disfarçar sua aleria ao ouvir isso. Abriu um sorrisão.)
- Mas vamos tirar uma foto desse momento, gente! (Disse Nanabara sacando seu celular... Click, click e em menos de dois minutos já estávamos todos no Face pra que todos pudessem ver.)
Nos despedimos. Fomos andando até o carro de Samara estacionado um pouco afastado. Paix se colocou entre nós duas e nos abraçou. Achei legal e saímos os três abraçados. O carro dele estava atrás do dela. Ao chegarmos ele disse:
- Você gostaria de minha companhia até sua casa? Samara mora do lado oposto da cidade. Tenho certeza que o assunto de vocês pode esperar até amanhã...
- É Gail, o Paix é praticamente seu vizinho. Se você quiser ir com ele, sem problemas. A gente marca amanha na hora do almoço... Ah, e pode aceitar a carona dele sem medo... É um cara super do bem...
- Não tenho medo das pessoas, Samara... Tudo bem... Você me leva Paix... Eu te ligo amnhã e vemos o melhor horário...
Assim foi feito. Paix foi conversando e eu também. O trajeto era curto, mas ele deu uma volta e fez o caminho mais longo. Mesmo assim em 15 minutos estávamos na frente de casa. Sabe aquela sensação gostosa de que ainda temos muito pra falar, pra ouvir, pra dizer?
- Chegamos moça...
- Pois é moço... adorei conhecer você. Pena que foi tudo muito rápido...
- Também achei... me dá teu telefone... Podemos combinar alguma coisa...
- Claro... me dá o teu que te ligo... (Ele deu, eu liguei, ele gravou... Desceu do carro, me levou até a portaria... me deu aquele abraço demorado... Senti melhor seu cheiro... Alto, forte... Um abraço protetor...)
- Você sabe que não está me conhecendo agora, não é?
- Tenho essa impressão... que te conheço de muito tempo...
- Não é impressão apenas... Tudo na vida tem uma finalidade. As pessoas, situações que vivenciamos, nada é em vão...
- Também acredito nisso...
- Pois bem, conte comigo daqui pra frente...
- Ah, adoro dizer isso pras pessoas também... E elas sabem que podem contar comigo...
- Agora vá... Chame uma faxineira amanhã...
- Como você sabe? Tá uma zona meu apê...
- Normal, depois de seu luto e de toda essa sua fase...
- E com você sabe de minha fase? A Samara te contou alguma coisa?
- Não, imagina! A Samara é muito fiel nas suas amizades... Não agimos diferente uns dos outros... O que você sente e passa agora é muito parecido com oq eu senti e passei anos atrás...
- Você também perdeu um ente querido?? Quanto tempo?
- Milênios... (E sorriu enigmático... Fiquei parada  um tempo... Ele me abraçou demorado de novo.) Vá moça... durma com os anjos...
E eu fui... Com uma tranqüilidade e serenidade tão grande... Pensei em mil coisas, mas todas elas tinham uma conexão com Paix... E se ele sumisse? E nunca ligasse? Bom, e daí? Um dia de cada vez... E se fosse casado? E se tivesse um grande amor? Mas eu preferia pensar que estava tudo muito novo... E que todo esse arrebatamento não tinha razão de ser... Vamos dormir... amanhã é outro dia!

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