sexta-feira, 9 de junho de 2017

A desconexão da verdade


Na música Big girls cry, de Sia, há um trecho que diz: 
"I'm at home on my own
Check my phone
Nothing, though
Act busy, order in
Pay TV, it's agony" 

Algo que poderia ser traduzido livremente como "Estou em casa

sozinha/Checo o telefone/Mas nele não tem nada/Finjo estar ocupada/ Faço um pedido/TV paga é uma agonia". 

Fingir estar "realizando" algo no celular é tão atual e natural, que sequer causa estranhamento... Quem é que não está "ocupado" com seu smartphone o dia todo? Algum alienígena digital, provavelmente. Alguém "iletrado" , talvez. Mas também tem a galera que resiste aos avanços tecnológicos e fica de fora do sistema por vontade própria. Mas quem tem seu celular,  quando não há wi-fi disponível ou quando os dados móveis acabam, costuma se sentir "desconectado", sem "mobilidade". Essa sensação é própria da nossa nova cultura, que pulsa de uma forma singular, a cibercultura


Com o surgimento da internet uma reconfiguração sociocultural foi gerada, permitindo que a informação saísse do controle dos chamados meios de comunicação de massa e passasse a ser um mosaico mais fluido, potencialmente mais livre, mais poderoso e com maior possibilidade de alcance.  Lemos (2006) chama isso de estrutura "pós-massiva" e diz que  qualquer pessoa pode, pelos meios multimodais ser um construtor e produtor do conhecimento, pois:
Na estrutura massiva do controle da emissão – a indústria cultural clássica – a informação flui de um polo controlado para as massas (os receptores). Com o surgimento e expansão do ciberespaço, esse modelo está sendo tensionado pela emergência de funções pós-massivas". (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 26)

O meios tradicionais de comunicação não foram e não serão abolidos, mas certamente que foram e serão, paulatinamente "reconfigurados", pois se faz necessário atender as demandas de uma sociedade em rede.

Pensemos juntos nos modelos comuns de comunicação entre pessoas. Na era do telefone, teríamos que estar no local do aparelho. Hoje nos acham em toda parte, desde que haja sinal. E  especialmente o aplicativo Whats app, mudou a forma, a velocidade e o alcance da nossa comunicação. 

Quantas vezes consultamos (como Sia) o Whats app esperando uma resposta que não vem ou uma pergunta que não ocorreu?  Por isso, não estamos mais sós, nem em silêncio, nem exatamente num território físico. 
Será que estamos "simulando" a realidade e até ressignificando nossos comportamentos sem maiores percepções disso? Afinal, segundo Baudrillard, "dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir."  (BAUDRILLARD, 1981, p.9- 10) 

Telefonar, interrompendo ou até mesmo importunando nosso interlocutor não é mais tão comum. Reconfiguramos também essa forma de relação. Com vantagens? Desvantagens? Depende da percepção de cada sujeito. O fato é que estamos diante de mudanças que ainda não avaliamos com distanciamento por estarmos vivendo este momento. Tudo tão recente! Tão potencialmente virtual, na acepção da palavra. Tão emergente e potencial. E por isso, os acontecimentos fluem, fatos corriqueiros acontecem,  mas não ficam segregados a quem os viveu, visto que podem ser são partilhados, virar meme, viralizar. E isso , mas não apenas isso, também é cibercultura. Ainda bem.




Referências

BARBOSA, E. A. S. Linguagem e interação no Whatsapp. Disponível em:
Acesso em 08 jun. 2017.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Tradutora Maria João da Costa Pereira. Lisboa: Relógio D‟água, 1981. 

COSTA, A. Mídias massivas e pós-massivas no fluxo das redes. Disponível em : <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5572&secao=447> Acesso em: 08 jun. 2017.

LEMOS, A. Cultura da mobilidade.Revista FAMECOS . Porto Alegre , nº 40 •,dezembro de 2009. Disponível em: <http://paginapessoal.utfpr.edu.br/kalinke/gptem/gptem-grupo-de-pesquisa-sobre-tecnologias-na-educacao-matematica/grupos-de-pesquisa/pdf/2015/Cultura%20da%20Mobilidade.pdf> Acesso em: 08 jun. 2017.

LEMOS, A.; LÉVY, P. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.

LEMOS, A. O que é cibercultura? Disponível em : <https://www.youtube.com/watch?v=hCFXsKeIs0w> Acesso em 08 jun. 2017.

LÉVY, P. O que é virtual? Disponível em :  Acesso em 08 jun. 2017.



Nenhum comentário: