domingo, 13 de agosto de 2017

Vamos nos perdoar?

Minha mensagem de dia dos Pais sempre foi para o meu avô Eliseu, homem íntegro, forte e batalhador que criou a mim e a minha irmã e mais nove filhos com exemplos de honestidade e valores morais importantes.
Painho, que após sua jornada na Terra partiu para o plano maior há alguns anos, certamente está tão próximo de nós que me emociona muito lembrar dele nos seus muitos momentos ao nosso lado.
Lembro de sua extraordinária inteligência e autodidatismo, pois ele sabia fazer um poço artesiano, coisa que nunca vi outra pessoa fazer, com extrema precisão. Sabia de eletricidade, hidráulica, colheita, culinária, geologia e política. Dentre outros saberes que me foram sendo compartilhados ao longo da vida.
Ele trabalhou por muitos anos com técnico em química numa fábrica de detergentes e não gostava de perfumes. Tinha uma fórmula de uma borracha que segundo ele, não se desgastaria nunca. Gostava de pescar e eu nunca vou esquecer dele dividindo as tilápias entre seus amigos que participavam das pescarias.
Saim em grupos e na volta ele, poe ser o mais velho e mais justo, era o responsável pela divisão. Uma balança resolveria, mas não usava-se balança. Os peixes tinham diferentes tamanhos e ele fazia lotes que não poderiam ficar exatamente iguais. E ele, por ser o que dividiu, seria o último a pegar seus peixes. O monte dos nossos peixes era sempre o que tinha maior quantidade de peixes pequenos. Mas ele me disse que ele jamais poderia pegar o primeiro lote, afinal, todos eram equitativos e não se deve nunca tirar vantagem dos outros.
Eu adorava mexer na sua coleção de moedas e de pedras semipreciosas, que ficavam numa caixa. Aprendi a jogar baralho e dominó muito cedo com ele e eu sempre tive muita sorte nesses jogos, mas nunca ganhava dele no dominó. Ele sempre fundava ligas de dominó e teve algumas perdas com as cartas, mas isso eu não lembro direito, só ouço falar.
Ele não gostava de café e tomava muto suco de maracujá, hábito que adquiri também. Fazia uma comidas apimentadas, que hoje sei que são receitas árabes. Cozinhava muto bem e até linguiça ele sabia fazer!
Gostava de tomar seus drinks quando saía com seus amigos, mas nunca vi uma briga, uma altercação ou uma mudança de comportamento por isso. Também não bebia em casa e na nossa feira nunca foi incluída nenhuma garrafa de bebida.
Painho, já aposentado, voltou a morar em Ibimirim (PE) onde tínhamos duas casas que um dia tinha sido um hotel administrado pela minha bisavó, D. Maria Pereira. Eu não a conheci, mas era a matriarca da família, muito a frente das mulheres do seu tempo.
Sonho comprar essas casa e transformá-las um dia numa ONG em homenagem a Painho e Mainha, Rosa Gomes.
Mainha (Rosa Gomes) e minha irma e primos.
Mainha é uma mulher extraordinária, que também está no plano superior há alguns anos. Que saudade de vocês!
São tantas boas lembrança desse casal maravilhoso que me deu chão, teto, ar, alimento, norte e especialmente muito, muito amor! Porque as pessoas acham que a felicidade vem das coisas que podemos comprar e não vem. A felicidade vem do colo que Mainha me dava enquanto me fazia cafuné até eu dormir. Dos momentos em que olhava meus cadernos para me dizer "Muito bem, continue estudando!" Dos momentos em que nos colocava com as mãos postas para agradecer Deus pelas coisas da vida. Dos exemplos diários de resiliência e abnegação.
A felicidade vem dos momentos simples e cotidianos em que sentávamos a mesa para almoçar e pedíamos o "costume" a Painho.
O "costume" era uma espécie de pagamento simbólico por não ter almoçado coma gente. Se comesse depois por algum motivo, tinha que dar um pedaço da carne dele. Hoje analiso isso e vejo assim, na época não sei se sabia que era uma tipo de cobrança nossa.
Claro que todos nós temos defeitos e qualidades e eu já escrevi sobre o tipo de educação tradicional que tive e os impactos disso na minha formação. Positivos, claro, mas a gente acha que poderia ter mais liberdade e tal.
Painho e Mainha são para sempre meus heróis e devo a eles tudo que me tornei, no entanto eles fizeram a parte deles e não estão mais aqui.
Aí eu tomei uma decisão hoje que na verdade é um desafio. Meu pai e minha mãe se separaram quando eu nem tinha dois anos e minha mãe, vivendo toda a dor e problemática de se tornar uma mulher sem marido nos anos 70, decidiu que as melhores pessoas do mundo para cuidarem de nós eram os seus pais.
Eu levei décadas cobrando dela que não era pra ter sido assim. Meu pai se afastou, apareceu malmente umas dez vezes na vida para pegar os nossos atestados de escolaridade que eu acho que o Imposto de Renda dele exigia. Hoje é o nosso primeiro dia dos pais juntos. Eu tenho 47 anos e já joguei na cara dele o seu descompromisso injustificável conosco desde sempre.
Já disse mais uma vez, com muita dor na alma: "Você me deve 47 de afeto e 24 anos de pensão." Acho que deve mesmo, pois pensão alimentícia tá na lei e como eu era universitária, meu direito era ate 24 anos. Mas não podemos mudar o passado.
É muito difícil perdoar... Os pais, os ex-maridos, os filhos, os irmãos, os parentes, os ex-amigos e principalmente a nós mesmos. Mas se não advém uma catarse de tudo isso que somos convocados a aprender a lidar durante a escola da vida, a gente não avança. E eu estou aqui para avançar!
Nesse dia dos pais, eu gostaria de dizer que não existe ex-pais e ex-filhos. Família é pra sempre, mesmo que não seja a família do comercial de margarina. E tivemos por algum motivo que ser reunidos por laços que para alguns não dizem muito, mas para mim tem grande significação e importância.
Nesse dia dos pais eu quero um momento de felicidade com quem esteve do meu lado, como minha mãe, meus filhos, minhas irmãs, minhas tias e meus amigos. Não dá pra juntar todo mundo, pois cada um tem também que estar com seus núcleos familiares. Então, hoje todo meu núcleo familiar presente aqui vai se reunir.
Vamos comer uma deliciosa comida baiana e minha mãe e meu pai fizeram a moqueca. Minhas irmãs fizeram o vatapá e outras iguarias. Eu fiz uma torta de limão e meu filho e meu sobrinho vão lavar os pratos.
Não vai ser ao meio dia, como eu gosto, porque atrasamos um pouco. Aliás, eu tinha um problema muito sério com atraso. Mas a partir de hoje, eu não quero mais saber do tempo me oprimindo e me sinalizando o passado. Eu quero saber que posso ter 20, 30, 40 ou até 50 anos pela frente e é nisso que vou concentrar minhas energias. No que ainda posso melhorar, recuperar, promover, compartilhar e amar.
Sabe o "antes tarde do que nunca"? Pois é!
E pra gente que tem aqui uns perrengues com o pai, eu sinto que ninguém é perfeito. Quero aceitá-lo como ele é. Não posso mudá-lo. Nem culpá-lo, porque a culpa não leva a nenhum lugar feliz.
Eu posso perdoá-lo, tentar compreendê-lo, respeitá-lo e amá-lo. Por que não? E se isso é difícil, por toda ausência e sentimentos que ainda não estão totalmente resolvidos, eu digo que não é impossíevl! Na verdade é desafiador! Talvez, o maior desafio da minha vida... Talvez!
13.08.17 12:59h

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