sábado, 15 de julho de 2017

O sorriso de Machiavelli


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Conheci Maquiavelli num chat que discutia a bandalheira que a classe política brasileira está promovendo com assistência de um judiciário igualmente corrupto-partidário e a anuência dos fatos por um povo passivo, analfabeto politicamente e com síndrome de vira-lata.

Ele se posicionava ideologicamente de uma forma singular e em pouco tempo, os 8 usuários on line não mais tinham como debater contrariamente às suas ideias. Ele tem um jeito de dizer as coisas de forma simples, porém complexa. Sabe fazer a gente aceitar suas ideologias sem precisar se impor, como gênio que é. E me encantou sua simplicidade e até mesmo humildade, que é adornada por uma fala mansa e pausada.

Ele disse que no passado as pessoas costumavam oferecer "cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros ornamentos semelhantes" ao rei, para com isso amealhar a sua simpatia, no intuito de obter algum tipo de vantagem pessoal.  [...] "O Conhecimento das ações dos grandes homens apreendido através de   uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas " mostra que apesar dos grandes avanços tecno-científicos, a natureza humana pouco evoluiu.

Atualizando para o sistema presidencialista, hoje grandes empresários oferecem propinas para financiar campanhas eleitorais em troca de lavagem de dinheiro, que vem através, por exemplo, de obras superfaturadas. E a Petrobrás, heim? Enfim, são favores em troca de favores, da mesma forma. No entanto, quem paga a conta somos nós, os cidadão, através dos altos impostos que somos  obrigados a recolher. Também sofremos com o descaso para com os serviços essenciais, que geralmente são de baixa qualidade por conta da ingerência e desvio de verbas.

Ele citou o caso do Lava Jato, criticando duramente o Juiz Moro, que com uma canetada só é capaz de derrubar quem ele quiser, visto que estamos vivendo uma "ditadura do judiciário". E isso tudo com aplausos da massa ignorante que é facilmente manipulada pelo  "arsenal midiático e especulativo", crente, pelas notícias circulantes de que até a escravidão e o extermínio dos indígenas na invasão ao Brasil no século XVI, foi a galera do PT que promoveu!

Ele também disse que um governo corrupto é o reflexo de um povo igualmente corrupto, mas JAMAIS defendeu a moral utilitária, segundo a qual “os fins justificam os meios”. Discorreu sobre  Platão, Aristóteles e Cícero, que precisam urgentemente fazer parte do conhecimento escolar, já que um povo que não entende de filosofia tende a se manter no obscurantismo e ser presa fácil da tirania política.
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Falou do iluminismo e da Revolução Francesa. Da democracia e  liberdade humana, que parecem ser tão instituídas, na nossa sociedade em rede, mas que na verdade são muito frágeis, pois ainda não alcançamos uma cidadania plena. Mandei uma mensagem no privado e entabulamos uma conversa mais profunda, que acabou quase de manhã. Resumindo, ele me convidou para integrar seu grupo de ciberativismo e eu aceitei na hora! Ainda criticou o panorama atual, afirmando que atos pífios, porém importantes para o nosso futuro, são manipulados no Congresso e transmitidos ao vivo, como se fosse um espetáculo do Big Brother.

Ele perguntou se eu tinha visto sua peça A mandrágora em cartaz no Teatro Eurípedes, de quinta a domingo 20:00h. Falei que conhecia o texto e do poder da sátira para atingir as massas e que sinto falta de bons programas humorísticos e de um teatro mais engajado. Em determinado momento ele  disse:

Que tal irmos lá na quinta? Aí a gente se conhece, continua esse papo e depois, podemos tomar um vinho aqui em casa. Posso te fazer uma pasta ao molho pesto que você jamais esquecerá. Também fui presenteado com uns queijos artesanais que um amigo florentino me trouxe e tenho certeza que você vai adorar...
- Vc é vegetariano...
- Caminhando pro veganismo...

Só podia, né? Então não tinha ninguém pra comer o queijo que ele ganhou... Hummmm... Mas eu disse que não poderia, pois estava dando aulas à noite.

Falamos de  Dali, Bosch, Frida... Resenhamos sobre Meia noite em Paris e eu acho que agora dá pra entender porque passávamos tantas horas sem nem sentir o tempo: éramos muito parecidos! Também falamos de O senhor das moscas nesse dia.

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Machiavelli não me atraiu fisicamente pelas fotos que vi no seu Face imediatamente... Ele é muito delgado, alto... Mas depois que passamos pra chamada de vídeo, percebi que ele tem um certo charme eloquente... Mesmo assim, com todo seu aporte epistemológico,  não rola... Poderemos ser amigos, afinal, nem todas as relações entre héteros tem que passar pela cama. Mas é que ir na casa da pessoa e tomar vinho, já subtende uma intimidade. E olha que só conversamos uma vez...Tudo bem, foi por sete horas seguidas! Nesse dia não dormimos! E ele disse que eu pareço com uma pintura de Modigliani... Me mandou Nú coche. Discutimos nudes, sexting e outras vibes... Sempre assim, no nível das ideias...

Ele é um ariano típico, um cara com energia, altruísmo e idealismo. Já eu sou aquariana, livre, inquieta e até certo ponto engajada. Só sei que ainda discutimos mais sobre sua comédia e como o humor pode levar as pessoas a refletirem criticamente.

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Quando se fala em politica os brasileiros torcem a cara e dizem "Eu odeio politica"... Isso é muito complicado, pois o desconhecimento faz com que os cidadãos não exigam seus direitos, não se mobilizem e nem conheçam o seu poder e valor.

Convidei ele pra ver um vídeo produzido pelos meus colegas da Rede AT  e que atualmente integram a mostra Kurumim, em cartaz até dia 16 lá no Palacete das Artes. Como ele também não podia eu enviei logo o vídeo , do Cabloco Marcellinoativista dos anos 30 da causa indígena e morto numa emboscada em Olivença.
Começamos a falar da causa indígena e seus problemas com apropriação indevida de terras, situação de penúria e dificuldades imensas de vencer o etnocentrimo ainda vigente.

Estávamos no Skype e já conversando há cerca de 20 dias sem conseguirmos agenda pro encontro no real. Captei um brilho no seu olhar quando falei que estou atualizando e fazendo um roteiro para Medéia, cujos poderes mágicos do passado agora se transmutam no seu poder exercido nas mídias sociais. Daí surgiu a minha proposta:

- E se a gente oferecer uma oficina de teatro pra uma comunidade carente  com o objetivo de despertá-los para uma visão crítica e reflexiva do mundo por meio da arte? Podemos construir o texto colaborativamente e depois ir apresentar nas escolas públicas. Dar voz e vez para suas experiências valorizando seus saberes... Assim, estaremos fomentando também a formação de platéia... Se elas não podem ir ao teatro pelos seus caros ingressos, poucas peças para o público adolescente e elitização, o teatro  irá até elas!  Dentre outras coisas, né?
- Excelente sua ideia!!! Ando meio atribulado com minhas atividades, mas  vamos sim escrever esse projeto! Será nosso primeiro fruto juntos para a sociedade... Tenho até uma escola na comunidade de Pau da Lima que vai acolher nosso projeto de braços abertos: a Escola Jesus Cristo, na Mansão do Caminho...
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Lindinete Pereira encena Casa de Bonecas na Escola Jesus Cristo. Foto by: Guel Pinna

Conversamos mais algumas horas! É interessante que não tínhamos tempo para nos vermos pessoalmente, dados os compromissos de trabalho e estudos, mas nos víamos todos os dias na madrugada pelo Zap, principalmente.
Curtíamos e debatíamos nos grupos, compartilhávamos no Face e aumentávamos cada dia mais a intimidade e sensação que éramos sim, grandes e inseparáveis amigos... Confesso que minha admiração, respeito e estima cresceram exponencialmente. Um misto de afetividade e desejo de realização entraram por todos os meus poros. Escrevi celeremente o projeto com base nas nossas conversas.

Até que enviei  música Mais ninguém, com a Mallu Magalhães... E ele mandou de volta Até o dia clarear (Marcello Camelo) na minha timeline acrescentando "Bem assim".

"Eu sei lá se eu vir você mais tarde
Eu vou até o dia clarear
Sei não, se eu vir você mais tarde
Eu vou até o dia clarear
Vou até o dia clarear"

Nos conectamos... Ele ouvia Rubel. Ficamos meio estáticos, nos olhando apenas. Já tínhamos falado tanto... Agora era apenas o olhar, o sorriso... Ah, existe um mundo desconhecido em cada ser. Mas no sorriso de Machiavelli reside um mistério. E isso me encanta.

By Guel Pinna

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