Eu andava pela Rua da Solidão e
incrivelmente tinha ido lá encontrar com uns amigos. Achava até poético o nome
da rua. Era um lugar cheio de carros nas calçadas, muitos bares, muita
movimentação. Mal cheguei e já acenaram pra mim... Que bom que alguém estava de
olho na rua bem na hora que cheguei, pois não enxergava ninguém nesse dia.
Levei meia hora procurando a chave e os óculos... só achei as chaves...
- Finalmente!!!!! (Foi dizendo a Chiara e me dando três beijinhos
na face)
- É, finalmente!!! (Disse eu que
não saia de casa a mais de um mês e recebia convites e telefonemas quase que
diários pra sair)
- Acabou o “retiro” ? (Perguntou
Abey com aquela expressão que lhe é peculiar.)
- Ela tava num retiro? (Perguntou
cheia de curiosidade Melanie)
- Você não sabia que ela sumiu
por mais de um mês? (Disse Abey.)
- Deixa ela contar!!!! Bora Gail,
desembucha logo! (Disse Chiara)
- Galera é o seguinte, por mais
absurdo que pareça, eu tava em casa esses dias todos. Saía o necessário...
Visitei alguns lugares que nunca tinha visto, aqui mesmo na cidade... Fiz
excelentes fotos. Mergulhei em mim mesma, sabe? Em nenhum momento eu disse que
tinha viajado ou que tava em retiro... Apenas dei um tempo pra reflexionar e analisar
coisas... hábitos... posturas... E resolvi mudar umas coisas aqui e ali...
- Não era mais simples você
pintar o cabelo e mudar o corte? (Disse Nanabara que tinha voltado do
banheiro nesse momento.) Aliás, turbante ta na moda? Ficou bárbaro em
você!
- É mesmo! Onde você comprou?
Adorei...retrô... (Disse Chiara)
- Ganhei de minha avó... Aliás,
eu não contei pra vocês antes, mas minha “Voinha” morreu... Dia 05... Hoje ta fazendo
dois meses...
- Ah, entendi... Você tava de
luto!!!! (Disse Abey)
- Na verdade lidar com as perdas
é sempre um desafio. Por mais preparado e espiritualista que a gente acredite
que é, é sempre um baque saber que não vamos mais ver aquela pessoa... No caso
de Voinha, eu sei que ela continua existindo... Não apenas nas minhas boas
lembranças... Mas em algum lugar...
- Velho, bom acreditar nisso...
acho que de alguma forma dá um certo conforto... (Disse Abey.)
- Eu não consigo acreditar em
nada além do hoje! (Disse Nanabara com convicção.)
- Eu fico na dúvida... nem
acredito... nem desacredito... (Disse Chiara, me abraçando, querendo me
confortar).
- Mas é isso... a gente já nasce
sabendo que um dia vai morrer... É estranho... Até acontecer com alguém que
gostamos de verdade... Mas eu tou bem gente! Só aproveitei esse tempo pra repensar umas coisas... Basicamente
coincidiu com minhas férias... Aí fiquei em casa...
- E sua viagem... Você não tava
de passagem comprada? (Disse Chiara, a única que sabia que eu ia passar um mês
pela América Latina.)
- Adiei... Agora que não é mais “segredo”,
podemos planejar de ir juntos!
- E era segredo? (Pergunto Abey?)
- Nada... aposto que todo mundo
sabia, né Chiara?
- Oh, amiga, deixei escapar
quando tava todo mundo preocupado porque seu celular só dava caixa... Nenhuma
postagem no Face... Você sumiu, né? Contei pra sossegar o pessoal (Disse Chiara.)
- Na verdade eu tenho essa
necessidade de fazer minhas coisas, do meu jeito, no meu tempo... Adoro vocês,
nossa amizade, mas não é tudo que eu quero contar, compartilhar, dar satisfação,
entende? Umas das coisas que pensei por esses dias é justamente o quanto a gente se expõe nas redes sociais...
Fica todo mundo sabendo onde a gente ta, com quem ta...
- Ops! (Deixou escapar Nanabara)
- Que foi? (Disse Chiara)
- É que quando soube que você ia
aparecer hoje postei no Face banheiro e vi que você veio mesmo, tirei uma foto
e enviei... Tá vindo o resto do pessoal aí... Seus fãs, né?
- Mas criatura, quem disse que eu
quero ver o resto do povo?
- Pô, o “resto” ? (Protestou Abey)
- O resto dos mortais, Abey... Vim
aqui dar um abraço em vocês... Não quero demorar...
- Então vamos fazer um brinde...
(Propôs Abey, que já tinha feito sinal pro garçom desde a minha chegada e que
só agora trazia mais um copo.)
- Garçom, por favor me traga uma
água de côco. (Disse eu)
- Bora beber, Gail!
- Parei de beber!
- Como assim parou? (Disse
Chiara.)
- Parei... cansei... não me fazia
bem... eu também não gosto de cerveja, todo mundo sabe disso!
- Sim, mais e o vinho? Você
sempre gostou! E nossos encontros pra beber vinho? (Perguntou Abey.)
- Podemos dar continuidade... Se
der vontade, quem sabe eu beba... Mas é um dia de cada vez... Só por hoje eu
parei...
- Entrou pro AA? Você não precisa
amiga! (Disse Chiara)
- Entrei não... Mas conheço um
pouco da filosofia... É muito interessante... Aliás, Chiara, a gente sempre
acha que para quando quer, que bebe só socialmente... Mas se a gente for
analisar profundamente, a história é outra...
Nisso foi chegando Samara com
mais dois amigos que eu não conhecia.
- Quem é vivo sempre aparece!
(Saudou Abey.)
Samara me abraçou demorado e
apresentou seus amigos.
- Gail, que bom te ver menina!
Olha esse é o Egon e esse é o Paix.
Egon tocou na
minha mão. Nem apertou nem nada... apenas tocou e sorriu. Paix me abraçou
demorado, como se me conhecesse a anos e nunca mais tivesse me visto... Como os outros amigos estavam sentados, Egon
apenas acenou para eles. Já Paix, rodou a mesa e cumprimentou um a um. Veio
garçom com a água de côco, pedimos mais cadeiras e nos acomodamos.
- Gente, eu adorei encontrar vocês... Mas ta chegando
a minha hora...
- Ah, mas você
acabou de chegar! (Protestou Abey.)
- Eu disse que
só ia dar uma passadinha... Samara, preciso falar com você. Quando pode me
encontrar?
- Olha eu vim
pra cá pra te ver... Posso te levar pra casa...
- Gente, é
isso... Eu vou com a Samara, ta? A gente se fala... (Tirei da carteira o
dinheiro do côco e pus sobre a mesa.)
- Mas Samara, nem
vai conversar direito com a gente... e seus amigos?
- Meninos,
fiquem á vontade... Vocês podem ficar... é que não vim pra ficar muito tempo...
Trabalho amanhã cedinho. (Disse Samara.)
Paix conversava com Chiara e Egon estava em
silêncio, entre Samara e eu.
- Muito bom
conhecer vocês, mas eu também preciso voltar. (Diss Paix, se levantando e
Chiara fez uma cara de que não gostou.)
- Eu tou de
boa, vou ficar! (Disse Egon. Nanabara não consegiu disfarçar sua aleria ao
ouvir isso. Abriu um sorrisão.)
- Mas vamos
tirar uma foto desse momento, gente! (Disse Nanabara sacando seu celular...
Click, click e em menos de dois minutos já estávamos todos no Face pra que
todos pudessem ver.)
Nos despedimos.
Fomos andando até o carro de Samara estacionado um pouco afastado. Paix se
colocou entre nós duas e nos abraçou. Achei legal e saímos os três abraçados. O
carro dele estava atrás do dela. Ao chegarmos ele disse:
- Você gostaria
de minha companhia até sua casa? Samara mora do lado oposto da cidade. Tenho certeza
que o assunto de vocês pode esperar até amanhã...
- É Gail, o Paix
é praticamente seu vizinho. Se você quiser ir com ele, sem problemas. A gente
marca amanha na hora do almoço... Ah, e pode aceitar a carona dele sem medo...
É um cara super do bem...
- Não tenho
medo das pessoas, Samara... Tudo bem... Você me leva Paix... Eu te ligo amnhã e
vemos o melhor horário...
Assim foi
feito. Paix foi conversando e eu também. O trajeto era curto, mas ele deu uma
volta e fez o caminho mais longo. Mesmo assim em 15 minutos estávamos na frente
de casa. Sabe aquela sensação gostosa de que ainda temos muito pra falar, pra
ouvir, pra dizer?
- Chegamos
moça...
- Pois é
moço... adorei conhecer você. Pena que foi tudo muito rápido...
- Também
achei... me dá teu telefone... Podemos combinar alguma coisa...
- Claro... me
dá o teu que te ligo... (Ele deu, eu liguei, ele gravou... Desceu do carro, me
levou até a portaria... me deu aquele abraço demorado... Senti melhor seu
cheiro... Alto, forte... Um abraço protetor...)
- Você sabe que
não está me conhecendo agora, não é?
- Tenho essa
impressão... que te conheço de muito tempo...
- Não é
impressão apenas... Tudo na vida tem uma finalidade. As pessoas, situações que
vivenciamos, nada é em vão...
- Também
acredito nisso...
- Pois bem,
conte comigo daqui pra frente...
- Ah, adoro
dizer isso pras pessoas também... E elas sabem que podem contar comigo...
- Agora vá...
Chame uma faxineira amanhã...
- Como você
sabe? Tá uma zona meu apê...
- Normal,
depois de seu luto e de toda essa sua fase...
- E com você
sabe de minha fase? A Samara te contou alguma coisa?
- Não, imagina!
A Samara é muito fiel nas suas amizades... Não agimos diferente uns dos
outros... O que você sente e passa agora é muito parecido com oq eu senti e
passei anos atrás...
- Você também
perdeu um ente querido?? Quanto tempo?
- Milênios...
(E sorriu enigmático... Fiquei parada um
tempo... Ele me abraçou demorado de novo.) Vá moça... durma com os anjos...
E eu fui... Com
uma tranqüilidade e serenidade tão grande... Pensei em mil coisas, mas todas
elas tinham uma conexão com Paix... E se ele sumisse? E nunca ligasse? Bom, e
daí? Um dia de cada vez... E se fosse casado? E se tivesse um grande amor? Mas
eu preferia pensar que estava tudo muito novo... E que todo esse arrebatamento
não tinha razão de ser... Vamos dormir... amanhã é outro dia!
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